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("Guernica" de Picasso)

Resolveu, então, juntar os cacos de sua existência e começar tudo novamente. Sabia que seria muito difícil não contaminar as pessoas a seu redor com aquela amargura, aquele ressentimento próprio de quem apanha, muito, da vida.
Numa segunda-feira, um dia de julho, muito seco, muito baço, saiu de casa com seu casaco e, sentando-se no café da esquina, pediu o de sempre. Veio à sua memória a figura de cabelos vermelhos, olhos pretos, pele morena, seios firmes, o cigarro aos lábios, a graça, a doçura, a voz meiga, a maneira como sentava em seu colo, e abria seu zíper, e tirava sua cueca, e abocanhava seu membro, o modo ímpar como estendia a mão direita, e segurava o dinheiro, e o dobrava, e o colocava na bolsa.


Tomou seu café, frio, amargo, forte. Pegou a caneta, riscou no guardanapo uns traços. A lembrança das coxas da moça que instantes atrás o servira. Estendeu as pernas, enfiou a mão esquerda no bolso esquerdo. Coçou o saco escrotal, que é para isso que ainda serve a esquerda quando se é destro. Pegou mais um guardanapo. Jordana, e como uma lembrança puxa outra, Candido, conhecido da adolescência, olhos marejados, pele avermelhada, nariz sempre puxando o fluido, conversas longas ao telefone.

A vida havia mesmo de ser triste, muito triste. E tudo jamais passaria de um errar, de puta em puta, de beco em beco, sem boca que beijar, sem corpo que abraçar. Sua existência era, e seria, fútil. Mas não morreria assim, só porque viver não tinha graça, pensava, até ontem à noite. O sangue sobre o colchão, os dedos duros, a boca aberta com a saliva seca que escorreu do lado, os olhos arregalados parados no ar, sem foco, fizeram o depoimento.

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