DOMINGO LITERÁRIO: "Água viva" de Clarice Lispector.
(Clarice Lispector)
Água viva, um longo texto em forma de monólogo, é uma das grandes obras de Clarice Lispector.
Nessa obra a autora questiona, aclama, amaldiçoa, reprime e expande a vida.
Não há uma divisão temporal seguida no texto (princípio, meio e fim). Como a mesma Clarice já dizia: Não se preocupe em "entender". Viver ultrapassa todo entendimento.
A autora promove a construção e a desconstrução da palavra. Em várias partes do livro a arte de pintar (o sentimento transmitido no momento e através da pintura) é comparada com o ato de escrever. Esse momento único entre o autor, seu estado de espírito e um caderno (ou uma tela de pintura).
Em Água Viva os temas nascem e se repetem em um jogo de variações e fuga, idêntico ao da música. Porém, um dos temas com uma presença mais forte no texto é o instante, seu tema de vida. Como num exercício profundo, fala da tentativa de captar a quarta dimensão do "instante-já", que de tão fugidio não o é mais, porque agora tornou-se um novo instante-já, que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. O que se fala, nunca é o que se fala, e sim outra coisa. Gira em torno de nascimento, amor, liberdade, solidão, espelho, vida secreta, prece, escuridão, morte.
Enfim, chega de definições, pois como já dizia o grande poeta Mário Quintana: “A poesia não se entrega a quem a define”.
Logo abaixo vai um trecho da sublime obra dessa imortal escritora:
[...]
“Tenho que interromper para dizer que "X" é o que existe dentro de mim. "X" - eu me banho neste isto. É impronunciável. Tudo que não sei está em "X". A morte? a morte é "X". Mas muita vida também pois a vida é impronunciável. "X" que estremece em mim e tenho medo de seu diapasão: vibra como uma corda de violoncelo, corda tensa que quando é tangida emite eletricidade pura, sem melodia. O instante é impronunciável. Uma sensibilidade outra é que se apercebe de "X".
Espero que você viva "X" para experimentar a espécie de sono criador que se espreguiça através das veias. "X" não é bom nem ruim. Sempre independe. Mas só acontece para o que tem corpo. Embora imaterial, precisa do corpo nosso e do corpo da coisa. Há objetos que são esse mistério total do "X". Como o que vibra mudo. Os instantes são estilhaços de "x" espocando sem parar. O excesso de mim chega a doer.
E quando estou excessiva tenho que dar de mim. Como o leite que se não fluir rebenta o seio. Livro-me da pressão e volto ao tamanho natural. A elasticidade exata. Elasticidade de uma pantera macia.
Uma pantera negra enjaulada. Uma vez olhei bem nos olhos de uma pantera e ela me olhou bem nos meus olhos. Transmutamo-nos. Aquele medo. Saí de lá toda ofuscada por dentro, o "x" inquieto. Tudo se passara atrás do pensamento. Estou com saudade daquele terror que me deu trocar de olhar com a pantera negra. Sei fazer terror.
"X" é o sopro do it? é a sua irradiante respiração fria? "X" é palavra? A palavra apenas se refere a uma coisa e esta é sempre inalcançável por mim. Cada um de nós é um símbolo que lida com símbolos - tudo ponto de apenas referência ao real. Procuramos desesperadamente encontrar uma identidade própria e a identidade do real. E se nos entendemos através do símbolo é porque temos os mesmos símbolos e a mesma experiência da coisa em si: mas a realidade não tem sinônimos.
[...]
Água Viva (Clarice Lispector).
* Texto de Edson Junior/ Equipe OCT, estudantes de letras/UFMT e membro do High School.
Conheça as poesias de Edson aqui!
Comentários
:D
(Bruno/Pleyades)
que tal Kafka p/ próxima? bj.