"DOMINGO NO BLOCO" por Edson José Sant’Ana

(O pequeno príncipe)

Sempre tive dificuldades com relacionamentos, de todo tipo, de modo absoluto. Quase nunca me declaro ou me revelo de modo pleno e satisfatório, pelo menos para mim: é que o mundo, este mundo, é um mundo de decepções, desconfianças. Tem sido difícil sobreviver, muito difícil!

Temos sido, necessariamente, o tempo todo, forçados a saltar de referência em referência, como quem salta de tábua em tábua, depois de a nau ter naufragado. As esperanças são mínimas. Alegria, só quando aprendemos a rir da própria desgraça ou, pior, da desgraça do próximo – se é que a isso se pode chamar de alegria, que a algumas coisas o que tenho é alergia: corrupção, banalização do sexo, da violência, da morte. Tem sido difícil sobreviver, muito difícil!

Muito difícil também é vagar sozinho entre as multidões, principalmente no período compreendido entre dezembro e fevereiro. Sob a égide das festas: álcool, drogas, promiscuidade, excessos. Em termos schopenhauerianos, preenchemos o vazio de nossa existência e nos apegamos ao presente por, sempre, temermos o nada. Definitivamente, tem sido difícil sobreviver, muito difícil!

Mas, se o assunto é distração e se temos, ainda, uma mínima noção de valor, vinculada, mesmo que de modo apelativo, à vida, esse hálito de angústia; se realmente vale alguma coisa a pena de suportar e superar a hipocrisia e a agressividade quotidianas, a única saída desse dédalo, desse labirinto de Minos, mesmo que circunstancial, seria, justo, o carnaval. E mesmo assim, tem sido difícil sobreviver, muito difícil!

Muito difícil sobreviver, porque tudo é pretexto. Tudo! E o que durante muitos anos foi o momento da troca dos papéis – momento em que nobres e plebeus se confundiam e se fundiam, mesmo que ilusoriamente –, hoje, é o momento em que assumimos de modo decisivo as nossas funções: somos todos reduzidos às nossas fantasias e fazemos papel de nós próprios – o princípio da carnavalização, da subversão, foi carnavalizado, subvertido, quase de modo absoluto. Por isso, tem sido, cada dia, mais difícil sobreviver.

Entretanto, apesar das dificuldades de sobrevivência, a despeito de toda essa aporia, não quero ser o algoz das ilusões – pois, é um cruel carrasco, o meu raciocínio. Quero também me iludir poder.

E no domingo desse carnaval pude sentir e perceber e viver a fantasia sem desatino, como se meu destino não fosse determinado e eu pudesse estar livre para ir e vir, para ir e viver, para desligar os ruídos, fazer a banda parar quando o som que lhe fosse oriundo não respeitasse a vida humana, o corpo humano, a mente humana...
E no domingo desse último pude desfilar pelas ruas de uma pequena cidade de mãos dadas à esperança que me estendeu a mão e me arrastou pelo seu bloco e me ajudou a esquecer, por algumas horas, que a vida é um bloco de pedra bruta que insiste em cair em nossas cabeças...

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*Postado por Bruno P. Rodriguês/Equipe OCT e Pleyades

Comentários

Roberto A disse…
Primoroso texto. Ágil,envolvente. Parabéns Edson.

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