"O PODER DOS SONS" por João Santana (Mão-Dupla)

("As portas da percepção - The Doors")


Tudo o que se pode perceber, é arte: ao redor de nós, nas paredes, calçadas, vitrines, ruas, em céu aberto, toda a natureza, todo espaço sideral, tudo enfim, é arte. Mas, ela não existe somente fora de nós: o que vemos, é um espelho do nosso mundo próprio, já que somos seres de afeto, emoção, desejo, fantasia, do amor e do delírio, da beleza e da alegria. Se ficamos extasiados com a beleza, é por que ela existe em nós... o encantamento é apenas um dos jeitos de o corpo expressar essa sensibilidade.

Se o órgão mais complexo do corpo humano – o cérebro – é capaz de controlar nossos múltiplos comandos, emitir e armazenar informações na memória e trazê-las à consciência, eu pergunto: com tanta coisa a se preocupar, por que é que o cérebro nos propicia atividades como, criação, invenção, pinturas e sonoridades?

A música, por exemplo, tem se tornado alimento para pesquisadores da neurociência. Suas mais recentes experiências têm revelado que a música é capaz de mudar a estrutura, o mapa e a anatomia do cérebro.

Nenhuma cultura se desenvolveu sem música. Ela não somente tem o poder de acessar nossas emoções mais íntimas, mas, desentulha da nossa memória recordações e conexões jamais recordadas com esforço racional. Sem qualquer instrução, um bebe relaciona sons de maneira inacreditável, identifica a voz humana de outros sons, bate palminhas se ouve uma canção conhecida, acalma-se e dorme com melodias de ninar...os sons emitidos pelos bebes podem fornecer a chave da compreensão de como a linguagem humana se desenvolveu. Estão prontos para decifrar o mundo pelos sons.

Músicos e pintores são os verdadeiros arqueólogos da alma. Exploram os além-horizontes do possível. Desvendam universos de percepção.

Será que todos os astros da música conheciam ou conhecem a tese do inglês Charlie Darwin, de que a música atrai o sexo oposto? Parece que não é preciso conhecer a teoria da evolução para se dar conta do poder de cativar e encantar através da música as relações interpessoais. Para ele, assim como a cauda nos pavões, ela servia para atrair o sexo oposto, sendo, sem dúvida, uma ferramenta a mais no processo de “seleção natural”. Aceitando ou não o argumento de Darwin, é sabido que, entre os grupos de hominídeos que disputavam escassos recursos na era do Gelo, quem saiu ganhando foi o que encontrou tempo para decorar as paredes das cavernas com pinturas.

O mito grego de Orfeu é o símbolo da habilidade em encantar as pessoas, de envolver a natureza, de envolver os deuses. Graças aos sons graciosos de sua flauta, rompe a indiferença, mergulha a trilha fria e silenciosa dos infernos, excitando nos seres a doçura e o apaziguamento, conseguindo comover o barqueiro (Caronte), e este, abrindo os braços e o riso resolve acolhê-lo e levá-lo as profundezas do reino dos mortos em busca da amada..

Para relembrar a etimologia, a palavra “Música” em grego, significava a “arte das musas”. Musas eram as deusas da Arte. Eram nove as Musas. A protetora da poesia lírica e da música chama-se Euterpe. Antigamente todas as artes tinham a denominação genérica da música. Mas, aos poucos foi-se reservando o nome de Musa para a arte dos sons, pois, a música, como arte abstrata, se distinguia das outras, que são representativas.

Uma das maiores vantagens do músico, segundo Rousseau, consiste em poder pintar as coisas que não se pode ver.

E, quem quiser mais uma prova do poder da música, deixo as palavras de um provérbio hindu...
“O amor revela-se pelas palavras,
Quando as palavras não bastam
Revela-se pelos gestos
Quando também esses não bastam
O amor recorre à música”


*João Santana (Mão Dupla), filósofo, artista-educador.

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Comentários

JOão é um dos caras mais inteligentes e sensiveis que conheço! Parabéns amigo!
(Bruno/Pleyades)
Roberto A disse…
Excelente texto! Parabéns pro João e pra todos do Mão Dupla.

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