Literamúsica: Só
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Por Carlos Antonio de Amorim
Não houve artista, antes ou depois, que escreveu sua autobiografia em forma poética como António Nobre (1867-1900). Ler as páginas do Só – “o livro mais triste de Portugal” - nada significa àquelas pessoas cujos valores são apenas condicionados pela razão. Julgaríamos tal obra simples por demais e a classificaríamos de acordo com os moldes românticos, porque, talvez, nossas lágrimas pouco nos diriam o que em palavras a razão jamais soubera explicar-nos, embora seja inexprimível até mesmo para a nossa própria emoção. O poeta, muitas vezes então, é mal compreendido e mal interpretado por quem o julga racionalmente, sobretudo quando o lêem de modo a delimitá-lo segundo a este ou aquele conceito estabelecido pela consciência objetiva.
Basta-nos o que sentimos ou o que não sentimos individualmente com a leitura do Só. Se algo real permanecer em nós e não soubermos explicar a sua procedência aos ouvidos alheios ou para nós mesmos, importa-nos apenas a sensação que não conseguiremos, em era nenhuma, nunca expressar, como captação do instante em que a emoção realizou-se, isto é, enquanto estamos distantes da realidade.
Tudo fora dito por António Nobre através do sentimento... Entretanto, a causa inicial para que isso acontecesse estaria ligado ao destino dele como poeta:
[...]
Num berço de prata, dormia deitado,
Três moiras vieram dizer-lhe o seu fado.
(E abria o menino seus olhos tão doces):
“Serás um Príncipe! mas antes... não fosses.”
[...]
(Só - Memória. António Nobre)
Em conseqüência deste fato, porque sucessivamente o horror às coisas reais deixaria “Anto” cada vez mais solitário, dentro do próprio mundo interior, no qual ele viveu durante a sua vida, refletindo as gentes portuguesas, as experiências pessoais, a terra natal, com paisagens “cheias de cor, de luz, de som”, onde tudo isso era tão duradouro, ingênuo, simples, melancólico, a emoção, aliada à fantasia, ocupara toda a realidade portuguesa; a partir disto reconhecemos que a poesia era, portanto, o meio pelo qual esta emoção seria evidenciada, tanto como libertadora, quanto como proclamadora desta íntima emoção:
A ares numa aldeia.
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o Ódio ao Tédio,
Moléstias d’Alma para as quais não há remédio,
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia acaso que perdera o meu talento:
No entanto, às vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relâmpagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cor e salteado as minhas aflições:
Quis partir, professar num convento de Itália,
Ir pelo Mundo, com os pés numa sandália...
[...]
(Só - Males de Anto[1]. António Nobre)
[1] António Nobre (1867-1900) influenciou escritores posteriores como, por exemplo, Sá-Carneiro, em Portugal, Manuel Bandeira, no Brasil. Neste século XXI continua a influenciar ainda escritores e artistas de vários segmentos, inclusive a Banda Males de Anto, de Santo Antonio de Leverger, que tem características do triste lirismo saudosista e cujo nome é homenagem ao poeta Português e à vila onde os integrantes residem.
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Blog da males de anto: http://malesdeanto.tk/
+ sobe António Nobre: http://pt.wikipedia.org/wiki/António_Pereira_Nobre
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