DOMINGO LITERÁRIO: "BERTOLT BRECHT" POR SANDRIANE DIAS
Dramaturgo e poeta alemão. Revolucionou o teatro com peças que visavam estimular o senso crítico e a consciência política do espectador. Brecht foi um dos nomes mais influentes do teatro do século XX, não só pela criação de uma obra excepcional, mas também pelas inovações teóricas e práticas que introduziu. Sua influência, no entanto, não se restringe ao teatro, pois Brecht foi igualmente importante pelas novidades técnicas de sua poesia.
Escritor e diretor de teatro alemão, Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, Baviera, em 10 de fevereiro de 1898. Interrompeu o curso de medicina em Munique para servir como enfermeiro na primeira guerra mundial.
Em 1924 mudou-se para Berlim, onde foi assistente dos diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Fez-se socialista em 1929 e começou a elaborar sua teoria do "teatro épico". Em 1933, com a ascensão do nazismo, exilou-se sucessivamente na França, Dinamarca, Finlândia e Estados Unidos, onde permaneceu seis anos (1941-1947). Acusado de atividades antiamericanas, foi forçado a voltar para a Alemanha, fixando-se em Berlim oriental, onde criou sua própria companhia, o Berliner Ensemble, que produziu suas últimas peças.
Com sua teoria, que propunha uma representação épica, Brecht pretendeu opor-se ao "teatro dramático", que conduziria o espectador a uma ilusão da realidade, reduzindo-lhe a percepção crítica. O "efeito de distanciamento", sugerido por Brecht, visava estimular o senso crítico, tornando claros os artifícios da representação cênica e destacando conseqüentemente os valores ideológicos do texto.
A obra teatral de Brecht atravessou diversas fases, que se distribuem segundo os locais de permanência do autor e os traços estilísticos próprios. As peças mais conhecidas do primeiro período, quando ele ainda se encontrava na Baviera, são: Baal (1922), Trommeln in der Nacht (1922; Tambores na noite), Im Dickicht der Städte (1924; Na selva das cidades) e Leben Eduards des Zweiten von England (1923; Vida de Eduardo II da Inglaterra), adaptação de uma peça de Christopher Marlowe. Todas focalizam os conflitos do indivíduo em relação ao meio social.
O segundo período corresponde à primeira época berlinense. Duas peças se destacam como transição do expressionismo para um niilismo iconoclasta: Mann ist Mann (1927; Um homem é um homem) e Die Dreigroschenoper (1928; A ópera dos três vinténs). São comédias satíricas, em parte musicadas, nas quais a crítica à sociedade burguesa é mais anárquica do que na fase anterior. Die Dreigroschenoper, com música de Kurt Weill, colaborador constante de Brecht, é uma adaptação de The Beggar's Opera, de John Gay, e tornou Brecht internacionalmente conhecido.
Em 1930 surgiu Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny (Ascensão e queda da cidade de Mahagonny), também com música de Weill, que marcou a definitiva conversão de Brecht ao teatro político. Em Die Massnahme (1930; A medida), Brecht já é marxista, assim como em Die Heilige Johanna der Schlachthöfe (1930; A santa Joana dos matadouros), cujo cenário são os grandes frigoríficos de Chicago. Esse período compreende ainda breves peças didáticas, como Der Jasager, der Neinsager (1930; Aquele que diz sim e aquele que diz não), adaptação de um nô japonês, e Die Mutter (1933; A mãe), adaptação do romance homônimo de Gorki.
O terceiro período brechtiano é o do exílio e inclui as obras mais elaboradas e conhecidas do autor. São também as que melhor representam suas teorias do "teatro épico" e do "efeito do distanciamento" na representação. As peças mais conhecidas são: Furcht und Elend des Dritten Reiches (1935-1938; Terror e miséria do Terceiro Reich), seqüência de cenas realistas sobre a violência do nazismo; Die Gewehre der Frau Carrar (1937; Os fuzis da Sra. Carrar), sobre a guerra civil espanhola; Leben des Galilei (1937-1939; Vida de Galileu), em que Galileu é apresentado como uma espécie de anti-herói, numa parábola satírica da relação entre o indivíduo e a ordem social; Mutter Courage und ihre Kinder (1914; Mãe Coragem e seus filhos), parábola do papel da pequena-burguesia no meio de tempestades políticas, julgada por alguns a obra-prima de Brecht.
De 1938-1941 é Der Gute Mensch von Sezuan (1943; A boa alma de Se-tsuan), parábola das máscaras sociais do indivíduo; de 1940, Herr Puntila und sein Knecht Matti (1948; O Sr. Puntila e seu criado Matti); e de 1941, Der Aufhaltsame Aufstieg des Arturo Ui (A ascensão resistível de Arturo Ui), paródia contra o nazismo e a grande indústria, simbolizados pelos gangsters e pelos trustes de Chicago. Os períodos finais de Brecht, nos Estados Unidos e em Berlim, incluem somente uma grande peça, também uma parábola, Der Kaukasische Kreidekreis (1948; O círculo do giz caucasiano), sobre a Rússia feudal, e várias adaptações, entre as quais Die Antigone des Sophokles (1947-1948; A Antígona de Sófocles), sobre o texto da tradução de Hölderlin.
A poesia de Brecht, menos conhecida do que suas peças, mas não menos importante, está representada sobretudo por Die Hauspostille (1927; O livro de devoção caseira), de sua fase iconoclástica, com título ironicamente devoto, e pelas Svendborger Gedichte (1939; Poesias de Svendborg). O mais famoso poema de sua primeira fase é o autobiográfico "Vom armen B.B." ("Do pobre B.B."). Brecht como poeta é anti-sentimental, de tom didático e dificilmente traduzível. Mais acessível é sua obra teórica, na qual se destaca o Kleines Organon für das Theater (1949; Pequeno instrumental para o teatro), cuja influência perdurou por várias décadas. Bertolt Brecht morreu em Berlim em 14 de agosto de 1956.
Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
Reivindicação da arte
A boa, que ao seu amor nada nega
E se lhe entrega com antecipação
Saiba: que não é boa vontade não
Mas talento, o que ele deseja na esfrega.
Mesmo se à velocidade do som
Do sou tua dela à cópula chega
Não é pressa que o botão dele carrega
Quando às bolas seminais dá vazão.
Se é o amor que primeiro atiça o fogo
Precisa ela depois, para Inverno amparado
De ser dona ainda de um traseiro dotado.
De fato, mais que o fervor no olhar
(Também faz falta) um truque há que usar:
Coxas soberbas, em soberbo jogo.
Elogio da Dialética
A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante. Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar!
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem
falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio?
De nós.
De quem depende a sua destruição? Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o "hoje" nascerá do "jamais".
Dificuldade de Governar
1
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.
2
E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.
3
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.
4
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?
(Tradução de Arnaldo Saraiva)
(Sandriane Dias é estudante do 4° ano do Curso de Letras/ Literatura, da UFMT.
E-mail: sandrianemrs@gmail.com)
Comentários
Uma frase que se encaixaria perfeitamente em dias de eleições...
... ou talvez os Doors tocando Whiskey Bar ;)