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Segunda-feira, pleno carnaval... e um texto pra reflexão.

Mais um do Brasil

- Desgraçado fí duma égua! Passa a bola, pôrra! Puta que pariu!
Para ele a pior coisa era ver o Brasil – ou melhor, o time de futebol da CBF – perder pra Argentina. Era como levar um tapa na cara.
- Vai, porra! Ali, ó! Passa pra ele, cacete!
Ficava puto da vida. Esperneava, gritava, chorava, xingava – mais que tudo -, porque a seleção parecia um bando de macacos desnorteados no campo de futebol. Mesmo assim, ele via o jogo, com a bandeira do Brasil nas mãos apertadas, toda amassada. Até que não estava tão ruim, porque o Brasil não estava perdendo – ainda, zero a zero. Melhor do que zero a um.
Urrou de ódio quando Ronaldinho Gaúcho quis fazer um gol de calcanhar e errou o gol vazio. Foi soltando fogo pelo nariz até a TV, e gritando, deu uns cascudos na coitada:
- Ô desgraçado! Porque que cê foi fazer gracinha?! Como que cê faz uma cagada dessa? –gritava. – O cara tava sozinho ali do lado, seu fominha! Num quer jogar volta pra Europa!VAZA!
Ficou resmungando até cansar a boca. Toda hora alguém errava um chute na cara do gol, ou então perdia a bola tentando fazer um drible bonito, ou errava o passe... Bando de incompetentes. Como é que gente tão ruim podia estar na seleção pentacampeã do mundo?Será possível?
Descansando a garganta, começou a pensar em umas coisas que um colega filósofo tinha lhe dito.
- Mídia... futebol... mídia... futebol... alienação...
Ia fazendo conexões mentais sobre hábitos do cidadão brasileiro. Chegou à conclusão de que o brasileiro não lia tanto quanto devia; que o brasileiro não tinha valores ético/morais; que as novelas prendiam as pessoas em suas casas e que o futebol... o futebol era usado pela mídia... o futebol ara usado como um lexotan para o povo brasileiro!!! Puta merda! E ele era mais um gado no rebanho! E assim começou a se perguntar várias coisas.
Onde está o resultado da CPI do mensalão? E as outras dezenas de CPI’s? Porque os políticos não ficam encarcerados por muito tempo?
Essas e muitas outras questões foram surgindo instantaneamente em sua cabeça, como um céu ao anoitecer: surgem as primeiras estrelinhas, no começo, solitárias... depois mais, mais e mais estrelas surgem quase que ao mesmo tempo, uma resultante da outra, até que, juntas formam um lindo céu estrelado, contraditório, complexo, incomensurável e... fascinante.
Assim estava a mente daquele sujeito. Começou a pensar nas possíveis respostas pra toda aquela loucura.
- Se o brasileiro não lê, não estuda, não pensa, mas sabe que tudo isso é necessário,porque não faz nada a respeito? Porque ele encontra entretenimento o suficiente pra ficar sentado no sofá o tempo inteiro. Talvez até sinta falta de raciocinar, mas antes que possa fazer alguma coisa, vem a Globo no comercial fazendo a chamada pra aquele filme do Stalone ou do Van Dame que deixa todo mundo pregado no sofá e enche o cara de besteira. Que brasileiro ia querer esquentar a cabeça ao invés de se divertir da melhor forma: sentado, sem fazer nada? – Se olhasse um espelho encontraria um. - Porque o futebol era levado tão a sério? Qual sua real relevância? – foi até o quarto, pegou dicionário e aprendeu o significado dessa última palavra. – Com tantos problemas no país e tanta audiência, porque a TV não fala sobre as possíveis soluções? Porque tem alguma coisa errada... tem caroço nesse angu... – mais uma conclusão: alguém, muito poderoso, não queria que o cidadão fosse pensador. Sentiu que estava sendo enganado. De uma hora pra outra tinha nascido dentro dele um Che Guevara.
A TV estava ligada, e frente a ela, ele estava parado, catatônico. Os únicos ruídos na casa eram as vozes dos comentaristas da globo. Ele parecia meditar sobre um mundo recém descoberto, sem dar bola pra quadradona. Furioso, após tirar várias conclusões consigo mesmo, se levantou e foi desligar a tv.
- Já chega.
Seu dedo encostou no botão maior. Ele ia apertar.
“Lá vai Ronaldinho Gaúcho, driblou um, passou dois, fez a fita, chutou!... É gooooooooooooooool! Ééééééé... do Brasil!!!”
- É isso aí, caralho! Eu sabia, eu sabia! Hahahahaha! – ria, pulava, xingava, comemorando com um sorriso de uma orelha a outra, feliz da vida – É isso mesmo o que eu queria! Brasil!Brasiiiiil! Lê, leleô... leleô leleô leleô, Brasil!
E aquele maravilhoso céu estrelado foi sumindo, perdendo a graça, estrela por estrela, derrubadas pela histeria do torcedor fanático pseudo-patriota.
- Brasil, zil zil zil!!!
Golaço.

(Rudny Marcelo Caetano dos Anjos)
Obra original disponível em: http://www.overmundo.com.br/banco/mais-um-do-brasil

2 Comentario para Mais um do Brasil

Anônimo
24 de fevereiro de 2009 às 09:58

Opa, muito bem escrita a pequena Crônica acima Rudny!

O torcedo meio que por um momento chegou na famosa "tomada de consciência", encarnou o Che Guevara (trostkista), e depois retornou à caverna afim de levar sua vida de "primata"!rs

Dá para fazer boas reflexões em cima do que você falou.

Alguns autores que poderiam cair como luva para um bom debate sobre a Mídia, subjetivações, entre outros, são Adorno, Hakin Bey e Deleuze. O primeiro, membro da "Escola de Frankfurt", trata diretamente sobre a mídia e cultura com uma ótica bem cética, o segundo, auto-intitulado "anarco-ontológico", dispara uma rajada de tiros contra a sociedade capitalista geral, desde sua moral às suas instituições, e o terceiro, um dos maiores filósofos do século XX, traz grandes análises sobre a "sociedade de controle".

Enfim, parabéns mais uma vez!

R
26 de fevereiro de 2009 às 15:34

Valeu Bruno... riquíssimo comentário. Muito bom ter vc como leitor!

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