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Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV

“Prosseguindo com nossa leitura, percebemos como o sujeito-poético encara o cinismo com o qual nos são oferecidos os produtos, mesmo os piores. As marcas disso são expressas ao tratar de maneira irônica (nos versos 50 a 53) as falas de sujeitos indeterminados. Basta nos atentarmos para a utilização do vocábulo ternura, que é seguido de dois pontos, associada à utilização de aspas no discurso direto, para que tenhamos noção do tom de escárnio poético.

Feitos esses comentários, podemos ir um pouco além em nossa leitura. A essa altura, lembramo-nos de alguns comentários realizados pelo vulgar das pessoas que acredita que estudar literatura é enveredar pelos caminhos do delírio. Nossa proposta, se ainda não havia ficado clara, é um tanto diferente. Entendemos, sim, que o texto literário é, e deve ser, polissêmico, mas nem todas as leituras são possíveis e precisamos ter isso bem claro.

Foi Mallarmé, com seu Lance de dados, quem nos deu margem para tal afirmação ao dizer que o acaso deve estar a favor do humano. Pensando assim, devemos encontrar, no caos do texto, marcas de uma leitura possível. E encontramos.

Ao utilizar a palavra francesa trottoir, o eu-lírico nos possibilita a interpretação da expressão no ar, que, por sonoridade, aproxima-se do substantivo noir (que para os franceses, significa preto). Sabemos que, em nossa cultura, tudo o que denota malefícios e idéias de coisas ruins está ligado à cor preta.

O poema é aberto por no ar. A isso equivale dizer que a escuridão chegou e, como num filme de terror, anunciado em letras garrafais (eis a causa da oposição entre as maiúsculas do título e as minúsculas do texto), tudo o que se pode esperar é o medo que está presente em armas de brinquedo, em medo de brincar, em balas perdidas, em pessoas perdidas. E o grande vilão da estória é evidenciado pela expressão discurso liberal: ele diz que todos são iguais e, mesmo por isso, devem ser tratados de forma igual, pois é somente a livre iniciativa (disputa entre os iguais) que levará ao equilíbrio econômico e social, mas não diz que uns são sempre mais iguais que outros.

Estaríamos livres para pensar como Adorno e Horkheimer, para os quais não há saída, e diríamos que o poema é extremamente pessimista, mas, paradoxalmente, o eu-lírico utiliza o mesmo discurso da livre iniciativa para suscitar, no interlocutor, desejo de mudar a situação [não se renda às evidências/não se prenda à primeira impressão (versos 48 e 49)], prescrevendo, assim, a cura para todo o mal.

São apenas dois os versos que se opõem a outros sessenta. Porém, são dois que desmascaram, com suficiência, todas as evidências e primeiras impressões e toda a falácia liberal apresentada como verdade e assumida, como tal, pela maioria silenciosa que se orgulha de não ter vontade de gritar ou nada para dizer”.

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